Em nova rodada de votação, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta sexta-feira (15), em segundo turno, o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) que atualiza o sistema tributário brasileiro — a chamada reforma tributária.
O texto foi aprovado em dois turnos. No primeiro, o placar foi de 371 votos a favor e 121contra. O mínimo para aprovação eram 308 votos. No segundo turno, foi de 365 a 118.
A votação é histórica. A reforma tributária foi discutida durante 30 anos por sucessivos governos e dentro do governo, sem nunca ter saído do papel.
Agora, concluída a votação, a reforma vai para promulgação, ato que tornará o texto parte da Constituição.
A proposta já havia sido aprovada pela Câmara em julho deste ano. O Senado, no entanto, promoveu mudanças no conteúdo, o que obrigou uma nova análise da reforma pelos deputados.
Reforma tributária: Câmara aprova texto-base em 1º turno
Após a aprovação da PEC, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), informou que a previsão é de que o texto seja promulgado na próxima quarta-feira (20). Lira também falou sobre a importância de conviver com pessoas que pensam diferente.
“O presidente Lula se elegeu, reconhecidamente, como a maioria de votos, mas o Congresso não teve a mesma representatividade progressista que teve o poder executivo, por isso a grandiosidade do fato de que a gente tem que viver e tem que conviver pensando diferente, mas trabalhando no sentido que é o desenvolvimento do nosso país”, afirmou Lira.
A reforma foi votada nesta sexta após reuniões nos últimos dias entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e os relatores da proposta nas duas Casas – deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Os quatros costuraram um texto que pudesse ser entendido como “comum” entre as Casas, o que retira a necessidade de uma nova rodada de votação no Senado. Isso porque PECs só podem ser promulgadas quando há um consenso entre Câmara e Senado sobre a proposta.
O acordo entre as Casas foi anunciado nesta sexta por Aguinaldo Ribeiro. Segundo ele, foi preservada a “estrutura da PEC enviada pelo Senado, com alguns ajustes”.
“O objetivo é o de manter um texto comum aprovado pelas duas Casas que permita a promulgação imediata”, declarou o relator.
Aguinaldo retirou trechos incluídos pelo Senado. Entre esses pontos excluídos, está o que previa a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM).
O relator também suprimiu do texto a criação de uma cesta básica “estendida” com impostos reduzidos. E retirou uma regra que premiava estados que arrecadassem mais durante a transição da reforma.
Deputados puderam votar virtualmente, por isso o plenário não estava cheio
Simplificação do sistema tributário
A reforma simplifica tributos federais, estaduais e municipais. E estabelece a possibilidade de tratamentos diferenciados, e setores com alíquotas reduzidas como, por exemplo, serviços de educação, medicamentos, transporte coletivo de passageiros e produtos agropecuários.
A proposta prevê também um Imposto Seletivo — apelidado de “imposto do pecado” — para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, e assegura isenção tributária a produtos da cesta básica.
Pela PEC, cinco tributos serão substituídos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) — um gerenciado pela União, e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios:
▶️ Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): com gestão federal, vai unificar IPI, PIS e Cofins;
▶️ Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): com gestão compartilhada estados e municípios, unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal).
O governo espera que, com a simplificação tributária, haja um aumento de produtividade e, consequentemente, redução de custos para consumidores e produtores.
Veja nesta reportagem um ponto a ponto do texto aprovado pela Câmara (clique no link para ir ao conteúdo):
– criação do IVA
– fase de transição
– alíquota dos impostos e ‘trava’
– cesta básica e ‘cashback’
– alíquotas reduzidas
– isenções
– tratamentos diferenciados
– ‘imposto do pecado’
– tributação da renda e do patrimônio
– FDR e fundo de compensação
– gestão do IBS
– entidades religiosas e financiamento de passagens
– Zona Franca de Manaus
– incentivo para veículos
Criação do IVA
A proposta introduz o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) no sistema tributário nacional.
Segundo o texto, cinco impostos que existem hoje serão substituídos por dois IVAs:
▶️ Três tributos federais (PIS, Cofins e IPI) dão origem à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal;
▶️ ICMS (estadual) e o ISS (municipal) serão unificados no formato do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios.
No modelo do IVA, os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item.
Exemplo: quando o comerciante compra um sapato da fábrica, paga imposto somente sobre o valor que foi agregado na fábrica. Não paga, por exemplo, imposto sobre a matéria-prima que deu origem ao sapato – a fábrica já terá pagado quando adquiriu o material do produtor rural.
O valor do IVA ainda vai ser estipulado, em outra etapa, quando a PEC for regulamentada. A área econômica calcula que o percentual deverá ser algo em torno de 27,5% sobre o valor do produto, para manter a atual carga tributária do país — nem aumentar nem diminuir.
Além disso, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido, e não mais na origem.
Isso contribuiria para combater a chamada “guerra fiscal”, nome dado à disputa entre os estados para que empresas se instalem em seus territórios, mediante a oferta de incentivo fiscais.
Fase de transição
Segundo a proposta, o período de transição para unificação dos tributos vai durar até sete anos, entre 2026 e 2032. A partir de 2033, impostos atuais serão extintos.
A transição está organizada da seguinte forma:
em 2026: alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre estados e municípios);
em 2027: PIS e Cofins deixam de existir. CBS será totalmente implementada. Alíquota do IBS permanece com 0,1%;
entre 2029 e 2032: redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS;
em 2033: vigência integral do novo modelo e extinção do ICMS e do ISS.
Além dos prazos gerais, o texto prevê que, em 2027, deverá ser extinto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
O Senado havia aprovado a criação, no lugar do IPI, de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM).
A Câmara, no entanto, retirou o dispositivo e manteve a existência, a partir de 2027, do IPI sobre produtos industrializados produzidos no resto do país e que competem com os da Zona Franca. A medida vale enquanto durar o regime da Zona Franca, ou seja, até 2073.
Em 2027, também está prevista a entrada em vigor do Imposto Seletivo — conhecido como “imposto do pecado”.
Alíquota dos impostos e ‘trava’
As alíquotas dos impostos deverão ser definidas em lei. Uma resolução do Senado vai estabelecer valores de referência, que serão adotados quando não houver legislação.
No texto, há um mecanismo que impede a perda de arrecadação nos primeiros anos da reforma. O dispositivo também funcionará como uma “trava” para a elevação de cobranças.
A regra levará em conta a média de arrecadação dos impostos extintos e o Produto Interno Bruto (PIB). Um “gatilho” poderá ser acionado, obrigando a redução das cobranças.
Caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalizar e realizar os cálculos das chamadas alíquotas de referência.
Em novembro, o Senado aprovou a criação de um mecanismo que daria maior fatia do montante arrecadado com o IBS para estados e municípios que aumentarem sua arrecadação ao longo do tempo, comparativamente aos demais.
A Câmara, no entanto, rejeitou a criação do benefício. “O mecanismo previsto traz insegurança em relação aos seus reflexos na participação na arrecadação, durante 50 anos, de todos os entes federativos subnacionais”, argumentou o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro.
Cesta básica e ‘cashback’
O texto mantém a criação de uma cesta básica nacional de alimentos isenta de tributos. Pela proposta, as alíquotas previstas para os IVAs federal e estadual e municipal serão reduzidas a zero para esses produtos.
Segundo a PEC, caberá a uma lei complementar definir quais serão os “produtos destinados à alimentação humana” que farão parte da cesta.
Durante a passagem pelo Senado, o relator na Casa, Eduardo Braga (MDB-AM), chegou a criar a possibilidade de uma “cesta básica estendida”, com produtos que teriam tributação menor que a alíquota geral, mas não zero. O trecho, no entanto, foi removido quando a PEC voltou à Câmara.
O texto aprovado prevê a possibilidade de criação futura, por meio de lei complementar, do chamado “cashback”. O mecanismo prevê a devolução de impostos para um público determinado com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda.
A Câmara manteve uma mudança do Senado que torna obrigatória a devolução no fornecimento de energia elétrica e compra do gás de cozinha a essa parcela da população.
Setores com tributos reduzidos
A PEC prevê corte de 60% de tributos para 13 setores. Na prática, isso estabelece que a alíquota a ser cobrada será equivalente a 40% do IBS (IVA estadual e municipal) e do CBS (IVA federal).
Os setores contemplados são:
serviços de educação
serviços de saúde
dispositivos médicos — entre os quais, fórmulas nutricionais
dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
medicamentos
produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano
alimentos destinados ao consumo humano e sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes
produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda
produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura
insumos agropecuários e aquícolas
produções de eventos, artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional
bens e serviços relacionados a soberania e segurança
A Câmara manteve uma inovação proposta pelo Senado ao texto original da Casa e incluiu a possibilidade de cortar em 30% os tributos cobrados sobre a prestação de serviços de profissionais liberais, como advogados e contadores. Segundo o parecer, uma lei complementar deverá estabelecer os beneficiados.
A manutenção dos benefícios deverá ser reavaliada a cada 5 anos.
Isenções
O parecer estabelece a possibilidade de isentar a cobrança dos IVAs sobre uma série de bens e tributos. As decisões serão tomadas em lei complementar e inclui alguns itens que já têm alíquota reduzida garantida (listados acima), mas podem vir a ficar isentos.
Poderão ficar isentos de cobrança:
serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano
dispositivos médicos
dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
medicamentos
produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
produtos hortícolas, frutas e ovos
serviços de educação de ensino superior nos termos do Programa Universidade para Todos (Prouni)
automóveis de passageiros comprados por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista, e por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi)
serviços prestados pelas entidades de inovação, ciência e tecnologia sem fins lucrativos
produtores rurais físicos ou jurídicos com receita anual de até R$ 3,6 milhões
e atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística
Em seu parecer, Aguinaldo Ribeiro excluiu da possibilidade de isenção de tributos a aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração pública e entidades de assistência social. A previsão havia sido incluída pelo Senado.
De acordo com a proposta, a manutenção desses benefícios deverá ser reavaliada a cada 5 anos.
Fonte: G1